AMIGOS DO PEITO: RELATO DE UMA PRÁTICA CRIATIVA
Profa. Me. Maria Angélica Cezário
Tendo como referência basilar a perspectiva de projetos pedagógicos para
a formação humana no Ensino Fundamental, buscaremos apresentar aqui o processo
de aprendizagem realizado com os alunos a partir de situações que traziam no
cotidiano na escola.
No início do segundo trimestre, identificamos que as crianças do
agrupamento C do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Goiânia apresentavam
muitas questões a respeito da amizade, conflitos e críticas a respeito dos grupos
de amizade na sala. As crianças durante a aula se queixavam bastante a respeito
umas das outras, ora por serem excluídas do grupo e ora por serem solicitadas
em excesso para as brincadeiras. Mobilizando-se por essas indagações, optamos
por realizar um projeto com as crianças sobre amizade para elas refletissem
sobre como acontecem às relações de amizade nessa faixa etária.
Tendo como referência que o professor não é aquele que só ensina, em uma
perspectiva acadêmica, mas também aquele que educa, procuramos oportunizar
situações didáticas para a formação pessoal dos alunos fazendo, também, uma
conexão com os as disciplinas de História e Língua Portuguesa. Procuramos
livros literários, poemas, músicas, brincadeiras e atividades como recurso para
a realização desse projeto, como relataremos a seguir.
A partir dessa perspectiva, escolhemos o livro Amigos do peito, escrito por Cláudio Tebas. Fizemos uma análise da
capa do livro literário para extrairmos as características desse gênero, como:
nome do autor, nome da ilustradora, editora, imagem da capa e título etc. Com
essas observações, as crianças realizavam hipóteses a respeito daquilo que iria
ser lido movimentando seus conhecimentos inferenciais.
Essa obra foi escrita em forma de poesia, na qual o personagem e narrador
Marcelo possui três amigos do peito: Catapimba, Caloca e Terezinha. Esses
amigos foram selecionados por Marcelo
dentre as crianças de seu bairro por emprestarem objetos a ele e se divertirem
juntos. Percebemos que a história suscitou interesse e movimentou a aula.
Do compartilhamento dessa leitura, as crianças foram trazendo
conhecimentos prévios a respeito da amizade e do perfil de um verdadeiro amigo
que elas selecionam para si. Aos poucos, foram realizando inferências a
respeito da leitura dizendo: “Mas no bairro do Marcelo nem todos são amigos”.
“O Carlos Alberto na história não compartilha sua bicicleta com ninguém”. À
medida os alunos realizavam esses apontamentos, as professoras faziam a
mediação a respeito de como deve agir uma pessoa que cultiva amigos: “Será que
o Carlos Alberto tem muitos amigos? Se ele não emprestar a bicicleta para as
crianças do bairro como vai adquirir novas amizades? Por meio dessas questões,
as crianças foram narrando suas vivências do cotidiano compartilhando seus
saberes individuais.
Assim, por esse caminho, os alunos foram sugerindo pistas a respeito
daquilo que elas gostariam de fazer durante o projeto. Um aluno da sala sugeriu
que a professora trouxesse a música Amigos
do peito, do grupo Balão Mágico, cujo nome é igual ao título do livro
trabalhado. Nesse momento, escutar o que as crianças queriam saber e o sobre
suas dificuldades e angústias a respeito da amizade, foi de fundamental
importância para que aprendessem não só os conteúdos escolares, mas também adquirissem
formação pessoal ampliando suas experiências.
Desse modo, as crianças ouviram a música solicitada pelo aluno, cantaram
e dançaram com seus amigos do peito. Ao final, a professora problematizou
algumas questões a respeito do tema: “Como se divertem os amigos? Somos amigos
de todos? Quem são nossos verdadeiros amigos? O que devemos fazer para cultivar
nossas amizades?”. Aos poucos, faziam seus relatos orais de situações que havia
experienciado para responder as perguntas das professoras e revelavam seus
conceitos sobre amizade em uma situação interlocutiva. Por um lado, as docentes
proporcionaram situações didáticas voltadas para a aprendizagem em relatos e
histórias, e por outro a experiência da leitura não pode ser planejada,
mensurada, pois também pertence ao campo da singularidade, da elaboração que
cada um faz de suas indagações e experiências.
Do movimento da leitura, do relato oral, da análise da literatura, foram
feitas interpretações de texto, análise e uso de expressões, tais como “Amigos
do peito”, identificação e descrição de personagens, localização de informações
explícitas e implícitas em um texto, escrita de carta ao amigo do peito dentre
outras situações na sala de aula. Por fim, acabamos nos apropriando da leitura,
da escrita e da como fonte de narração de experiências, de troca de saberes e,
acima de tudo, de ressignificação de vivências próximas da realidade das
crianças configurando um ensino que vai ao encontro de suas indagações,
conflitos e necessidades.
Nesse projeto, muitas crianças que outrora não tinham espaço entre os
colegas para falar e serem ouvidas puderam narrar àquilo que sentiam frente a
uma dificuldade. Outras, ao ouvirem e sentirem o relato de uma criança que
antes era excluída e ninguém queria ser seu amigo, refletiram sobre si e sobre
o outro. Ao final, percebemos que muitas se recolocaram frente a situações simples
do cotidiano, como por exemplo, atender o pedido de um colega, a emprestar seus
objetos, a não excluir os colegas para cultivas mas amizades evitando, assim,
um ambiente segregador que acontecia no início do ano.
É nas situações do cotidiano, por mais simples que se revelam, habita as
riquezas que fazem a diferença na formação de um sujeito portador do
conhecimento e também mais humanizado. Assim, aprendemos, ao observar e ouvir as
crianças, como propiciar um ensino e aprendizagem que afeta os sujeitos.